quinta-feira, 13 de março de 2008

Revista Esquire publica diário fictício de Heath Ledger

Depois que Heath Ledger foi encontrado morto em seu apartamento no Soho, em Nova York, em 22 de janeiro, David Granger, editor-chefe da revista Esquire, encarregou uma repórter chamada Lisa Taddeo, de escrever um artigo sobre os últimos dias de vida do ator.

O texto, que será publicado pela revista em sua edição de abril, encontra Ledger jantando com Jack Nicholson em um restaurante marroquino em Londres, e o acompanha de volta a Nova York a uma festa no Beatrice Inn, uma casa noturna na parte sul de Manhattan; depois, o mostra comendo filé com ovos em um café de Little Italy e devorando um muffin de banana e nozes - supostamente o último alimento que viria a provar.

Nada disso é exatamente verdade. Os Últimos Dias de Heath Ledger, um texto escrito em primeira pessoa como se fosse o diário de Ledger, é um relato fictício sobre seus últimos dias em Londres e Nova York, e um lamento sobre as indignidades a que as celebridades são submetidas.

"Depois que você morre, se torna importante, em termos teatrais, determinar como seus últimos dias foram vividos", começa o artigo.

Os leitores céticos poderiam supor que Taddeo não descobriu nada em seu trabalho de reportagem, e por isso decidiu recorrer a um truque para garantir que a matéria fosse publicada. Mas Granger insiste em que o texto, classificado como ficção, não é um truque.

"Trata-se de um esforço sério", ele disse, acrescentando que a revista já havia tentado misturar ficção e realidade no passado. "Estamos tentando encomendar peças de ficção como se fossem jornalismo", diz, "para torná-las mais tópicas, relevantes. Nós estabelecemos um prazo e um tema".

O primeiro projeto do tipo foi publicado em outubro de 2006, durante as finais do beisebol, e se chamava A Morte de Derek Jeter, uma longa meditação sobre esporte, celebridade e mortalidade, escrita do ponto de vista de Jeter, jogador do New York Yankees.

"Nós estamos publicando coisas como essas para tentar criar ficção mais viva, mais urgente", diz Granger.

A história de Esquire traz muitos exemplo de truques jornalísticos como esse. Houve uma capa, em 1996, sobre Allegra Coleman, uma suposta jovem estrela de Hollywood. O artigo era uma falso, a estrela não existia. Já sob o comando de Granger, em 2001 a revista publicou um perfil do vocalista do R. E. M., Michael Stipe, temperado com dose considerável de ficção. E houve outros truques: Halle Berry entrevistando seu entrevistador; Jon Stewart escrevendo comentários sobre o perfil dele que a revista publicou.

Nesses casos, as celebridades envolvidas estavam vivas, colaboraram com o truque ou nem mesmo existiam. No caso de Ledger, a revista estava tentando canalizar o espírito de alguém morto recentemente. Para evitar acusações de que o artigo era só mais um truque, Granger não o promoveu na capa da revista. "Eu não queria que o texto fosse visto como exploratório, de maneira alguma", disse.

Mara Buxbaum, que foi agente de imprensa de Ledger e hoje trabalha para a família dele, preferiu não comentar. Ela afirmou que a família não estava informada sobre o artigo de Esquire até que o New York Times a contatasse a respeito, depois que Buxbaum ligou para o escritório de Granger e pediu uma cópia.

Depois que Ledger morreu, por efeito do que exames póstumos definiram como overdose acidental de medicamentos vendidos sob receita, Granger diz que se surpreendeu com as expressões de pesar do público por alguém que, na opinião dele, não era um grande astro de cinema. "O pedido do texto nasceu de minha curiosidade. Eu não compreendia por que todo aquele interesse".

Taddeo, editora associada da revista Golf e escritora de ficção aspirante, passou quatro dias em restaurantes, cafés e parques próximos do local em que Ledger morreu. Granger diz que leu um romance inédito da escritora e que estava à procura da missão certa para ela. Quando foi encarregada da peça sobre Ledger, não estava claro se o produto final seria ou não ficção. Granger simplesmente desejava ter um jornalista cobrindo o assunto.

Parte do que ela escreveu é verdade. Ledger esteve em Londres três dias antes de morrer. Voltou de fato a Nova York. Gostava dos muffins de banana e nozes do Miro Café, ainda que não haja certeza de que tenha sido essa sua última refeição.

A Esquire foi uma das pioneiras do chamado "novo jornalismo", nos anos 60, um estilo pioneiro desenvolvido por uma equipe de autores como Gay Talese, Hunter S. Thompson e Tom Wolfe, que empregavam técnicas literárias - embasadas por esforços de reportagem muito extensos - a fim de produzir artigos narrativos de não ficção. Frank Sinatra Está Resfriado, de Talese, publicado pela Esquire em 1966, é visto como clássico do gênero e precursor dos modernos perfis de celebridades.

Robert Boynton, professor de redação para revistas na Universidade de Nova York e autor de O Novo New Journalism, uma coleção de entrevistas com modernos expoentes desse estilo, recebe com agrado qualquer inovação, em um setor que, segundo ele, cada vez mais se prende a fórmulas. "Creio que a experimentação deveria ser encorajada, nas revistas", afirmou. "A última coisa que qualquer uma dessas revistas deveria fazer seria agir cautelosamente".

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